Rm 12
Uma das maiores preocupações cristãs é saber a vontade de Deus.
No contexto antecedente de Romanos 12—ou seja: dos capítulos 9 ao 11—, Paulo fala da inescrutabilidade da vontade de Deus, mostrando que ela não está disponível à nossa compreensão, à priori.
No final do capítulo 11 ele nos põe a todos contra a “parede do mistério”, e nos diz que ninguém consegue discernir os caminhos do Senhor.
O interessante é que após dizer isto, ele reinicia seu pensamento com a seguinte declaração:
Rogo-vos pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis os vossos corpos como um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis a este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita VONTADE de Deus.
A VONTADE de Deus é soberana e inescrutável, porém é experimentável.
O que pode nos colocar no caminho da experiência da VONTADE de Deus não é uma revelação profética do nosso futuro, mas a consciência em fé acerca da misericórdia recebida, e que nos enxertou na “oliveira da salvação”.
Assim, é a consciência da eleição no amor de Deus aquilo que nos põe no caminho não do “conhecimento” da VONTADE de Deus, mas de sua experiência.
O processo que nos conduz a essa experiência nos é descrito por Paulo de modo simples e sem mágica:
1. Uma consciência grata pela Graça recebida se oferece em plenitude—corpo não é apenas o físico, mas a totalidade do ser—, se entrega ao amor de Deus.
2. Essa entrega à Graça de Deus produz uma alegria no ser, e que gera a entrega é do ser vivo, santo e agradável a Deus. E só é vivo porque está voluntário na entrega; e só é santo porque se deixou separar para Deus; e só é agradável porque está agradado de ser de Deus. Ou seja: sua VONTADE está sendo realizada.
3. Essa consciência implica em racionalidade na devoção. Trata-se do culto racional; não do culto à razão. Essa racionalidade do culto nada mais que a entrega da consciência como resposta lógica do ser que, em tendo sido agraciado, responde ao benefício recebido com entrega animada e feliz.
4. O próximo passo é que isto leva a consciência a ter o desejo de total não estagnação. Aquele que se entregou, não encontra limites numa oferta ritual, mas sim num crescendo existencial em tal entrega. Assim, estabelecesse uma total VONTADE de não permitir que as “molduras deste século” determinem o tamanho da consciência. A pessoa aceita o processo de mudanças e revisões permanentes da vida; ou seja: ela não se “con-forma” com este século, visto que não encontra seu paradigma na ordem estabelecida, mas sim na permanente conversão da consciência aos novos entendimentos recebidos conforme a revelação da Graça.
O fim disso tudo é experimentar a boa, perfeita e agradável VONTADE de Deus.
Paulo prossegue mostrando que essa experiência da VONTADE de Deus também depende de duas outras tomadas de consciência em fé.
1. Cada indivíduo precisa saber que a VONTADE de Deus é particular, e não uma revelação industrial:
Porque pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não tenha de si mesmo mais alto conceito do que convém; mas que pense de si sobriamente, conforme a medida da fé que Deus, repartiu a cada um. Pois assim como em um corpo temos muitos membros, e nem todos os membros têm a mesma função, assim nós, embora muitos, somos um só corpo em Cristo, e individualmente uns dos outros. De modo que, tendo diferentes dons segundo a graça que nos foi dada, se é profecia, seja ela segundo a medida da fé; se é ministério, seja em ministrar; se é ensinar, haja dedicação ao ensino; ou que exorta, use esse dom em exortar; o que reparte, faça-o com liberalidade; o que preside, com zelo; o que usa de misericórdia, com alegria.
A ênfase toda, portanto, recai sobre um processo de individuação na Graça.
Ninguém deve se comparar com ninguém, e nem tampouco desejar ser o que não é e quem não é.
Cada um tem seu dom e seu chamado, e a singularidade do dom e do chamado equivalem à particularidade da revelação de Deus a cada um.
2. Cada individuo precisa saber que a VONTADE de Deus está revelada como possibilidade experiencial, e não como um oráculo mágico. Portanto, Deus não está na obrigação de revelar nada sobre onde, como e para quem alguém vai trabalhar, com quem vai casar, ou em que emprego ganhará a vida. No entanto, nos diz como viver em qualquer que seja a circunstancia da Terra e da vida onde tenhamos sido colocados, caídos ou jogados:
O amor seja não fingido. Aborrecei o mal e apegai-vos ao bem. Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal, preferindo-vos em honra uns aos outros; não sejais vagarosos no cuidado; sede fervorosos no espírito, servindo ao Senhor; alegrai-vos na esperança, sede pacientes na tribulação, perseverai na oração; acudi aos santos nas suas necessidades, exercei a hospitalidade; abençoai aos que vos perseguem; abençoai, e não amaldiçoeis; alegrai-vos com os que se alegram; chorai com os que choram; sede unânimes entre vós; não ambicioneis coisas altivas mas acomodai-vos às humildes; não sejais sábios aos vossos olhos; a ninguém torneis mal por mal; procurai as coisas dignas, perante todos os homens. Se for possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens. Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira de Deus, porque está escrito: Minha é a vingança, eu retribuirei, diz o Senhor. Antes, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem.
Assim, Paulo nos ensina de modo simples que a VONTADE de Deus não é para ser sabida como um conhecimento prévio de nada, mas como uma entrega em amor, que aceita existir num permanente estado de renovação da consciência, que não busca nada além de ser quem cada um é em Cristo, e que sabe que a vontade de Deus não é um oráculo, mas uma maneira de viver, onde a Graça determina as virtudes relacionais pelas quais a vida acontece como dádiva de Deus ao mundo, pois é nessa existência humana onde a vontade de Deus está sendo feita, não importando as circunstâncias onde o prazer de Deus pelos seus filhos se manifesta, e também onde a vida dos filhos de Deus é prazer para Deus.
A vontade de Deus é que Seus filhos tenham prazer em ser Dele, em ser quem são e em servirem uns aos outros com Graça, e, portanto, sem competição, porém com sinceridade e liberdade no exercício do amor fraterno e solidário. Isto tudo sem amargura ou dispêndio de energia vingativa contra quem quer que seja.
No fim, mais uma vez, o justo viverá pela fé!
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