Há alguns
dias, em um grupo teológico, alguém postou um texto afirmando se a Bíblia
Hebraica, somente, é a fiel palavra de Deus. Disse, também, que o Novo
Testamento não era reconhecido pela Igreja Primitiva (entre sécs. I e III), mas
somente pela Igreja Romana, no sec. IV.
Bom, e o que
será que a história diz sobre isso? Como a igreja nutriu, por tanto tempo, as
doutrinas cristãs? Como se defenderam das ameaçadoras heresias que surgiam,
como as dos gnósticos (sécs. I e II), dos Judaizantes, as de Montanus (final do
séc. II), as de Marcião (sec. II), dos sebalianos e arianos (sécs. III a IV), e
tantas outras que tentavam jogar por terra a deidade de Cristo, ou firmar que
Cristo era um outro deus, ou apenas um profeta? O que liam em suas reuniões?
Para
entender como pensavam nossos irmão primitivos a respeito do novo testamento,
irei usar aqui 4 arquivos históricos, o livro “Historia Eclesiástica” de
Eusébio da Cesárea (270 – 340 d.C.) , “De Principiis, Livro IV” de Orígenes de
Alexandria (185 – 253), escrito por volta de 311 d.C, “Contra as Heresias” por Ireneu
de Lião (130 – 202 d.C), de 180 d.C e os Cânone Muratori de 170 d.C.
Das três
primeiras obras, a de Eusébio é a única que tem mais de um capitulo dedicado as
obras dos apóstolos. Apesar de não reconhecer algumas cartas como testamentárias
(canônicas), como a de II Pedro, ainda fica bem claro que as demais eram aceitas
como inspiradas e canônicas.
Vejamos:
“De Pedro reconhecemos uma única carta, a
chamada I de Pedro. Os próprios
presbíteros antigos utilizaram-na como algo indiscutível em seus próprios
escritos. Por outro lado, sobre a chamada II carta, a tradição nos diz que não
é testamentária, ainda assim, por parecer proveitosa a muitos, é tomada em
consideração junto com as outras Escrituras.” (III, 1)
Eusébio
sobre os escritos de Paulo:
“Por outro
lado, é evidente e claro que as catorze
cartas são de Paulo.” (III, 5)
Das obras de
Lucas:
“Lucas, por outro lado, oriundo de
Antioquia por sua linhagem e médico de profissão, foi durante a maior parte do
tempo companheiro de Paulo. Mas seu trato com os outros apóstolos também não
foi superficial: deles adquiriu a terapêutica das almas, da qual nos deixou
exemplos em dois livros divinamente inspirados: o Evangelho, que ele confessa ter composto segundo o que lhe
transmitiram os que foram testemunhas oculares e se fizeram servidores da
doutrina, dos quais ele diz que seguiu já desde o começo, e os Atos dos Apóstolos que compôs, já não
com o que tinha ouvido, mas com o que viu com os próprios olhos.” (IV, 6)
Eusébio,
ainda escreve um capitulo sobre quais livros a igreja deve ou não aceitar como
escritos do Novo Testamente, ou Canônicos.
“Chegando
aqui, é hora de recapitular os escritos do Novo
Testamento já mencionados. Em
primeiro lugar temos que colocar a tétrade santa dos Evangelhos, aos quais
segue-se o escrito dos Atos dos Apóstolos. Depois deste há que
se colocar a lista das Cartas de Paulo.
Depois deve-se dar por certa a chamada Primeira
de João, assim como a de Pedro.
Depois destas, se está bem, pode-se colocar o Apocalipse de João, sobre o qual exporemos
oportunamente o que dele se pensa. Estes são os ditos admitidos.”(XXV, 1-3)
A carta aos
Hebreus pode ser incluído nas cartas de Paulo, pois Eusébio que ter sido Paulo
quem escrever.
Origines,
que foi, também, um grande defensor da deidade de Cristo, no prólogo de seu
livro, deixa bem claro sua crença de que os Evangelhos, assim como o Velho e o
Novo Testamente, foram dados pelo próprio Deus.
“Este Deus, justo e bom, Pai de Nosso Senhor
Jesus Cristo, foi quem nos deu a Lei e os Profetas e o próprio Evangelho, o qual é também o Deus dos apóstolos, assim
como do Velho e do Novo Testamento.”
(Prólogo, 4)
“se
escutarmos as palavras de Paulo como sendo palavras do Cristo que,
segundo a sentença do próprio Apóstolo, nele fala” (III, 22)
“... as divinas Escrituras a chamam de invisível, como quando Paulo diz Cristo ser a imagem invisível do Pai (Col. 1, 15), para
pouco depois dizer que por Cristo foram criadas todas as coisas, as visíveis e
as invisíveis (Col. 1, 17)”. (III, 27)
Em outro
lugar Origines escreveu:
“Segundo
aprendi com a tradição a respeito dos quatro
evangelhos, que são os únicos inquestionáveis em toda Igreja de Deus em todo o
mundo. O primeiro é escrito de acordo com Mateus, o mesmo que fora publicano, mas depois apóstolo de Jesus
Cristo, o qual, tendo-o publicado para os convertidos judeus o escreveu em
hebraico"
Origines
parece não ignorar os escritos paulinos como canônicos.
Irineu,
antes de Origines, e assim como ele, via os escritos neo-testamentários como
divinamente inspirados e canino. No texto abaixo, quando trata sobre as
heresias dos ebionitas e nicolaítas, Irineu acusa os ebionitas de aceitarem o
evangelho de João, e rejeitarem os escritos de Paulo, que eram considerados
pela igreja como divinamente inspirados.
“Utilizam somente o evangelho segundo Mateus e rejeitam o apóstolo Paulo como apóstata da Lei.” (26, 2)
Nesta outra parte,
Irineu se refere ao texto do Evangelho de João 1.3 como sendo a própria escritura,
veja:
“Nós, porém
nos mantemos firmes na regra da Verdade,
isto é, que existe um só Deus onipotente que tudo criou pelo seu Verbo, plasmou
e fez que o que não existe passasse a existir, como diz a Escritura: "Pela palavra do Senhor os céus foram
feitos e pelo sopro de sua boca toda a potência deles". E ainda: "Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada
foi feito".” (21, 1)
Agora, vamos
à obra mais antiga (170 d.C.) e mais incrível entre as citadas, com respeito à
Igreja Primitiva e os cânones neo-testamentários, o Cânone de Muratori. O
escrito, infelizmente incompleto, lista os livros aceitos como canônicos pela
igreja do segundo século. Refere-se aos evangelhos de Lucas e João como sendo o
terceiro e quarto evangelho, a parte que trata, provavelmente, sobre Mateus e
Marcos não foi encontrada. O fragmento comenta sobre Atos dos Apóstolos de
Lucas, as cartas de Paulo, e as apostólicas. O pequeno texto também trata sobre
alguns escritos que não devem ser aceitos pela igreja, como as cartas aos
Laodicenses e aos Alexandrinos, atribuídas falsamente a Paulo.
Vejam:
“O terceiro livro do Evangelho é o de Lucas.
Este Lucas “médico que depois da ascensão de Cristo foi levado por Paulo em
suas viagens” escreveu sob seu nome as coisas que ouviu, uma vez que não chegou
a conhecer o Senhor pessoalmente, e assim, a medida que tomava conhecimento,
começou sua narrativa a partir do nascimento de João. O quarto Evangelho é o de João, um dos discípulos.”
“Os Atos
foram escritos em um só livro. Lucas
narra ao bom Teófilo aquilo que se sucedeu em sua presença, ainda que fale bem
por alto da paixão de Pedro e da viagem que Paulo realizou de Roma até a
Espanha.”
“Quanto às epístolas de Paulo [...] não precisamos discutir
sobre cada uma delas, já que o mesmo bem-aventurado apóstolo Paulo escreveu somente a sete igrejas, como
fizera o seu predecessor João, nesta ordem: a primeira, aos Coríntios; a segunda, aos Efésios; a terceira, aos Filipenses; a quarta, aos Colossenses; a quinta, aos Gálatas; a sexta, aos Tessalonicenses; e a sétima, aos Romanos [...]. Além disso, são tidas como sagradas uma [epístola]
a Filemon, uma a Tito e duas a Timóteo.”
“Entre os
escritos católicos, se contam uma epístola de Judas e duas do referido
João [...]. Quanto aos apocalipses, recebemos dois: o de João e o de Pedro; mas, quanto a este último, alguns dos nossos não querem que seja
lido na Igreja”
Podemos,
então concluímos que os escritos neo-testamentários eram sim usados pela igreja
primitiva, e não só usados, mas eram considerados canônicos inspirados e dados
pelo próprio Deus. Afirmar que a igreja primitiva não reconhecia os escritos do
Novo Testamento como inspirados sem conhecimento histórico, é tão ignorante
quanto dizer, “esta ou aquela bíblia, versão, tradução é a verdadeira e fiel”.
Por favor, parem de impedir a ação do Espírito Santo.
Em Cristo,
Leandro Schoen
Excelente postagem... Claro e preciso... Parabéns... Proliferando no Twitter....
ResponderExcluirVlws pelo Comentário mano, muito importante para nós, e pela ajuda tbm.
ExcluirEm Cristo, Leandro Schoen, Mente Cristã