O cristão, a sociedade, e o poder: uma perspectiva profética.

  Não é preciso ser nenhum grande analista para admitir que vivemos um período caótico, e por caos entendo que não é só um momento de guerra, pobreza, epidemias ou catástrofes naturais. Defino Caos como um período de perda de referência, sim, quando vemos um vácuo de lideranças, vemos pessoas perdidas, confusas, vulnerabilizadas a tal ponto de acreditar em qualquer coisa.
Os profetas do antigo testamento eram chamados justamente nesses momentos de caos. O habitat natural do profeta é o caos e o deserto, e sua matéria prima era a crise. Os profetas serão a base da nossa reflexão hoje, é importante lembrar que a igreja de jesus é construída sob o fundamento dos apóstolos e dos profetas.
     A mensagem dos profetas tinham alvos bem definidos. Os primeiros confrontados eram os reis, sim, as autoridades eram as primeiras e principais classes em que seria anunciado o juízo divino, porque? não seriam seres humanos pecadores como quaisquer outros? A natureza da liderança implica em peso e responsabilidade maior. A caneta real, o cetro estendido, a palavra empenhada pelo rei, tinham a função de conduzir, servir de caminho, e transmitir valor e segurança para as pessoas. Suas Decisões tinham consequências para a vida de milhões de pessoas, tanto para prejudicar quanto para proporcionar o bem.
     A atividade profética também servia como um freio para uma arrogância natural do reis, pois a natureza de suas funções reais os levava a gozar de respeito, confortos, e privilégios, e tudo isso os deixavam sempre a um passo de se sentirem deuses, seres acima do bem e do mal, portadores de todas as virtudes. Esse tipo de sensação é corrosiva para a alma humana e leva os líderes a deixar de governar para cometer abusos, se tornando tiranos, opressores, cegos quanto a sua condição humana, sem qualquer compaixão.
     Os Profetas eram indivíduos incômodos, indesejados pelos reis e autoridades, falavam verdades inconvenientes, apontavam erros, anunciavam castigos e tempos difíceis, como resultado do pecado. Quando vejo que muitos de nós cristãos estão do lado do poder constituído. sinto que nos distanciamos do caráter profético, perdemos nossa independência, passamos a viver do poder e de tudo que eles nos proporciona. Uma vez o cristão estando do lado de governos, ele está vendendo a mensagem, está abrindo mão do seu chamado, pois o profeta não é um ser "palaciano", ou seja, não faz parte de nenhuma nobreza. Profeta é marginal, é incomodo ao poder.
     O segundo grupo mais apontado nas pregações dos profetas eram os sacerdotes, que também eram um tipo de poder, pois eram aqueles separados para pastorear e cuidar da espiritualidade do povo, porém que se desviavam de suas funções para não só permitir a idolatria, mas também praticar e contaminar o culto ao Deus verdadeiro. Se Hoje a espiritualidade das pessoas é importante, imagina naquela época, era o combustível para o povo, as pessoas precisavam ser pastoreadas, conhecerem a lei, e se relacionarem com Deus, mas não era raro eles se desviarem junto com os líderes a uma pratica religiosa pagã e condenável. Estavam vivendo de sacrilégio e profanações do culto.
      Não é preciso de muito para constatar o quanto a fé simples no Deus vivo está sendo desvirtuada hoje e se tornando tantas coisas que nada mais são do que forma de idolatria e paganismo. Sacerdotes vendem a fé como um produto e vivem de lucro da manipulação e indução. Os profetas eram seres sem tradições religiosas, sem qualquer nome ou marca eclesiástica, totalmente indesejado pelas elites espirituais decaídas de suas épocas.
       O próximo grupo que iremos tratar, também muito alvo do juízo que os profetas anunciavam eram as elites da época. Comerciantes, magistrados civis, líderes das tribos, anciãos, guerreiros, etc. Eram classes que em suas relações comerciais e econômicas não praticavam a justiça, não faziam negócios justos, oprimiam seus empregados os expondo a usura, levava os mais vulneráveis a justiça por dívidas irrisórias, muitas vezes provocadas por eles, ou seja, os profetas expunham a injustiça nas relações privadas e um certo abuso de poder econômico praticado em face do órfão e da viúva.
      O povo não era poupado, o povo na visão dos profetas não era vítima da opressão, mas sim cúmplices na apostasia, na idolatria, nas imoralidades sexuais, e também na falta de piedade. As pessoas mais pobres também eram chamadas ao arrependimento com lágrimas afim de serem curadas suas feridas e suas mazelas. Os emissários de Deus naquele tempo vinham para condenar aspectos culturais reprováveis aos olhos de Deus e que vinham sendo compartilhados não só pelas lideranças e elites, mas pelo povo, que diante do cenário caótico se entregava a todo tipo de concupiscência e desejos vãos, ou seja, as pessoas não eram só sistematicamente vítimas de um suposto sistema, mas responsáveis por se enregarem a práticas reprováveis.
       Uma coisa central em todos os profetas e que direcionava suas atividades, era o fato de que sempre se viam implicados na mensagem anunciada, ou seja, anunciavam algo que todos, inclusive eles teriam que viver por conta de tamanho distanciamento da fé. Os profetas não pregavam no ar condicionado, eles pregavam vivendo, pregavam se incluindo no juízo, pregavam temendo a ira, e ao mesmo tempo não queriam estar certos, anunciavam o castigo inevitável, mas orava para que não viesse.
     Muitos pregadores hoje não se veem implicados em suas elaborações teológicas, pelo contrário, anunciam, falam, e profetizam sobre coisas que não conhecem, não vivem, cujo alvo são sempre outros grupos os quais em nenhum deles está incluído, e ainda pregam querendo estar certos, apenas por questão de vaidade religiosas, de poder e notoriedade. Esses querem sempre acertas seus prognósticos, para assim ganhar legitimidade.
       Basta um exercício de observação para concluir o quanto de similaridade existe entre o presente e o tempo dos profetas. Parece que estamos voltando no tempo lendo as pregações daqueles homens, mas na verdade estamos revisitando um presente que já aconteceu e está acontecendo de novo. Quero encorajar para que leiamos os profetas com maior acuidade e que não percamos nossa natureza e vocação profética nesse tempo, podendo assim contribuir com a harmonia e paz socia, ou seja, um tipo de sociedade que não vulnerabiliza o orfão e a viúva, mas os acolhe e os abraça em suas extremas necessidades.



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